Pandemia antecipa clima eleitoral de 2022

Pandemia antecipa clima eleitoral de 2022

Pandemia antecipa clima eleitoral de 2022

Vacinação, repasse de verbas e medidas de restrição acirram disputa entre Bolsonaro e governadores

 

 Presidente da República, Jair Bolsonaro e o Governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
Foto: Alan Santos/PR

Contagem crescente que supera 300 mil mortos, hospitais superlotados, vacinação em marcha lenta. O quadro trágico da pandemia no Brasil fica ainda mais sombrio com o confronto político que promove a cisão em vez da união de forças para enfrentar uma crise sanitária sem precedentes. É perceptível que essa queda de braço já pauta a campanha eleitoral de 2022.

No cerne do confronto, a rejeição de Bolsonaro a medidas de isolamento social e restrição de atividades econômicas. Mesmo os governadores alinhados com o Palácio do Planalto decidiram adotar regras mais severas diante da explosão dos números de óbitos e contaminações. No final da cadeia de decisões, gestores municipais encaram os danos na linha de frente. No Rio Grande do Sul, que ingressou no mês de março coberto pela bandeira preta, indicativa de risco sanitário máximo, a situação agravou-se a níveis alarmantes.

— A falta de uma diretriz nacional dificulta o cobate à pandemia, sobretudo com a postura de confronto do governo federal contra o isolamento social, o uso de máscara e o descaso pela vacina. Perdemos muito tempo neste bate-cabeça. — diz Fátima Daudt (PSDB), prefeita de Novo Hamburgo, cidade com 247.032 habitantes.

Rossano Gonçalves (PL), prefeito de São Gabriel, com 62.147 moradores, também identifica no embate um aquecimento para o pleito de 2022 e destaca um componente inicial que prejudicou as ações unificadas:

— A falta de unidade se materializou na ação do Supremo Tribunal Federal (STF), que deu margem a confusão quando determinou responsabilidades para combater a pandemia. Os municípios ficam como mariscos entre o mar e o rochedo.

Rossano refere-se à decisão da Suprema Corte, em abril de 2020, que delegou a governadores, prefeitos e ao presidente o gerenciamento das ações na pandemia. Bolsonaro, em narrativa amplificada por seus apoiadores, alegou ter ficado de mãos atadas e transferiu a responsabilidade de iniciativas e consequências aos Executivos estaduais e municipais. O STF vem desde então reiterando que a União não está isenta da responsabilidade.

Alerta vermelho no Planalto

No mais recente capítulo da pandemia envolvendo Bolsonaro, STF e demais chefes do poder Executivo, o presidente ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade para impedir que governadores do Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal determinem medidas restritivas. Essas iniciativas, segundo o Datafolha, são aprovadas por 71% da população. O mesmo instituto aponta que 54% dos brasileiros avaliam como ruim ou péssima a gestão da pandemia por Bolsonaro, provável candidato à reeleição.

A projeção nacional de dois governadores — João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, ambos do PSDB — acendeu o alerta vermelho no Planalto e aqueceu o clima para o próximo pleito. Apoiadores de Bolsonaro nas eleições de 2018, eles viraram opositores da visão do presidente em meio à crise. A surpreendente entrada em cena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez o caldeirão ferver ainda mais.

Nas últimas semanas, o governador gaúcho passou a receber um pesado ataque de Bolsonaro. Leite está sendo cada vez mais visto como uma opção de terceira via no pleito nacional, para quebrar a polarização entre petistas e bolsonaristas. Como reação, o governo federal municiou as redes sociais com a informação de que foram enviados ao Rio Grande do Sul, em 2020, R$ 40,9 bilhões que deveriam ter sido usados na Saúde. Esse valor, segundo alegam, teria sido aplicado na quitação da folha de pagamento.

Leite classificou a acusação de “mentira de quem muito fala e pouco governa”. Destacou ações do governo gaúcho para enfrentar a pandemia, como a ampliação em 126% de UTIs SUS, de 933 leitos para 2.109. Elencou também medidas de ajuste fiscal, como a reforma administrativa que permitiu a redução da despesa com folha de pagamento. Por fim, divulgou um documento — entregue ao Ministério Público e à Assembleia Legislativa — com um relatório sobre o uso dos repasses.

Segundo o economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Oscar Frank, há um descompasso entre a queda histórica de 7% do PIB gaúcho em 2020 e a ampliação da receita das finanças públicas, que subiu 6,8%.

— Nesse caso, o socorro da União foi determinante para o resultado — avalia.

O economista questiona a opção do governo estadual pelo pagamento em dia do funcionalismo ligado ao Executivo depois de 57 meses.

— Como a folga de caixa é temporária, os atrasos devem recomeçar em breve.

A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República divulgou a cifra de R$ 40,9 bilhões numa lista com os repasses do Planalto a cada Estado, somando valores diretos e indiretos (suspensão ou renegociação de dívidas). Foi solicitado à secretaria um detalhamento desse montante, incluindo os repasses obrigatórios constitucionais, mas não houve retorno até a conclusão deste texto.

O governador Eduardo Leite, no entanto, traz uma explicação: o repasse federal foi de R$ 3 bilhões, valor corroborado pelo Tribunal de Contas do Estado. Ao todo, R$ 2,1 bilhões foram destinados como compensação pela perda de arrecadação com a crise econômica, R$ 826 milhões em recursos extras para a saúde e R$ 75 milhões da Lei Aldir Blanc, para fomento de projetos culturais. O governo do Estado informa que R$ 40 bilhões representam o repasse obrigatório previsto na Constituição, sendo que saíram do Rio Grande do Sul rumo a Brasília R$ 70 bilhões.

Equilíbrio e vacinação

Em meio à instabilidade dos números e da política, cabe aos prefeitos lidarem diretamente no dia a dia com o risco de colapso no atendimento médico e os danos econômicos. Para o chefe do Executivo de São Gabriel, o problema real sobra para o município:

— Recebemos R$ 3,5 milhões do governo federal e R$ 220 mil do governo estadual. Para fechar a conta, investimos R$ 1,5 milhão de recursos próprios na saúde — indica Rossano.

Crítico do sistema de classificação por bandeiras regulado pelo Palácio Piratini, o gabrielense não vê resultado concreto na medida. “Sempre achei esse modelo de distanciamento controlado um fracasso, não analisa particularidades municipais e regionais”, critica. Fátima Daudt, por outro lado, observa avanços nas medidas e defende que deve haver equilíbrio entre salvar vidas e salvar a economia:

— O município recebeu do governo federal um aporte de R$ 30,6 milhões, investidos em ações como ampliação de leitos no hospital municipal, reforço da equipe de profissionais da saúde, auxílio cultural e cestas básicas. O governo do Estado apoiou com ações relacionadas ao SUS e na aquisição de respiradores.

Nesse processo conflituoso, existe um raro consenso: a vacinação precisa ser urgentemente acelerada. Para compensar a reação tardia do governo federal, prefeitos e governadores se organizam em diferentes frentes para adquirir imunizantes. Sem dúvidas, a vacina também tornou-se um importante capital político. No momento mais grave da pandemia, Bolsonaro apresenta o quarto ministro da Saúde ainda sem ter no horizonte uma concreta ação de imunização em massa. A avaliação de seu governo e sua ambição de seguir no cargo serão cada vez mais medidas por sua postura frente à tragédia. Governadores com expectativas para 2022 também correm contra o relógio. Com o apoio das principais lideranças tucanas, Eduardo Leite tem intensificado suas articulações nacionais.

Todos eles sabem que as urnas serão um espelho do Brasil que tiver restado, em agonia ou dando a volta por cima.

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